Resolvi lançar uma série (que não será publicada em sequência, mas sim em momentos oportunos) de publicações que fogem um pouco (mas não muito) do caráter desta página que é disseminar informação técnica de boa qualidade sobre terapia fundamentada na Análise Aplicada do Comportamento e intervenção para indivíduos com TEA. Digo isso porque serão publicações mais de cunho opinativo do que técnico/científico como a maior parte dos posts até agora publicados.
Esse primeiro tema de debate surgiu em função de várias experiências com equipes escolares pelo país todo. Tenho acompanhado de perto a angústia de muitos pais com a (im)possibilidade de garantir um atendimento individualizado para seus filhos no ambiente escolar, por mais necessário que seja para a criança ou até mesmo, por mais que seja garantindo por lei.
É fato que um profissional a mais em sala de aula (além do professor e dos eventuais auxiliares) altera, especialmente no início do processo, a dinâmica e até mesmo a estrutura da mesma (afinal de contas, em muitos casos, é uma pessoa a mais ocupando aquele espaço – algumas delas já com dimensões reduzidas). As crianças da turma perguntam o que aquela pessoa está fazendo lá, por que só fica com aquela criança (que está ou precisa estar amparada pelo processo de inclusão), por que ajuda tanto aquela criança, por que dá brinquedo e outras coisas para a criança brincar depois de uma atividade, etc. Crianças são seres curiosos e perguntam mesmo. É da nossa natureza! Entretanto, também por experiência própria, vejo turmas inteiras de crianças, por vezes com pouquíssima idade (3, 4 anos) executando todas as estratégias orientadas e de responsabilidade do tutor e professor. Elas garantem as ajudas necessárias para a criança com TEA responder às demandas, manejam comportamentos mais difíceis como birras e até agressões, aplicam quadro de rotina individualizado, combinados visuais, disponibilizam reforçadores arbitrários e sociais. A dinâmica da sala muda? Com certeza! Mas mudanças como essas são perniciosas em algum sentido? Não vejo em qual.
Recentemente ouvi a seguinte frase: “não é política da escola aceitar tutor para uma criança em sala de aula”. Sim! Ouvi exatamente dessa forma. O mais paradoxal dessa situação é que, hoje, a escola precisa e acaba colocando a auxiliar de sala no front do trabalho com a criança com TEA. A equipe escolar se esforça ao máximo para garantir que a criança aproveite as atividades e rotina escolar. Porém, é clara a necessidade de um acompanhamento individualizado treinado, capacitado para atender a tudo que essa criança precisa. Também percebo uma boa vontade de todos da equipe. Eles estão se esforçando, genuinamente. Mas a estrutura da escola tem suas limitações e não abrir possibilidade de um tutor é uma delas. Do meu ponto de vista, uma das limitações mais graves para um processo pleno de inclusão. Não vou citar, nesse momento, o conjunto de leis que garantem (ou tentam garantir) esse e outros suportes importantes. Caso você queira se aprofundar mais nisso, publiquei outros posts sobre processo de inclusão e neles estão essas leis. A escola não abre condição para um tutor especializado, mas, no “frigir dos ovos”, essa pessoa precisa existir no dia a dia da sala para que a professora consiga trabalhar minimamente com a turma e com essa criança com TEA. E ela não está capacitada para isso. Resultado: um processo de inclusão com falhas (se é que é possível chamar isso de inclusão).
Também já ouvi algo como “não é política da escola receber profissionais que atendem as crianças com significativa frequência”. Entendo parcialmente essa colocação. Na prática, a maioria dos profissionais que atendem crianças com algum tipo de necessidade especial não costuma mesmo estar na escola mensalmente, por exemplo. As visitas são agendadas conforme a necessidade. Entretanto, se, por exemplo, o principal foco da terapia (estou falando da terapia fundamentada na ABA) é o desenvolvimento de repertório social, qual é o melhor ambiente, o mais rico de informações sobre isso? A escola! As crianças passam metade de suas horas semanais nesse contexto, ou seja, pelo menos metade das horas de estimulação recomendadas internacionalmente. E se a criança, então, apresenta dificuldades muito, muito sutis, praticamente imperceptíveis a uma olhar menos treinado e especializado? Vejo que é crucial a presença do analista do comportamento de forma constante para observações sistemáticas e coleta de informações para planejamento dos programas de terapia individualizada. Ainda assim … “não é política da escola a presença constante de profissionais”. Estamos buscando juntas, eu e equipe escolar, um consenso.
Em meio a tantos desafios e dificuldades, conforta conseguir trabalhar efetivamente em parceria com diversas equipes escolares. O processo de inclusão ainda não é fácil porque a instituição ESCOLA ainda está organizada em moldes já muito, muito ultrapassados para todas as crianças, sem exceção. Conforta ver que muitas equipes escolares ainda presas a esses moldes, se colocam efetivamente abertas a mudar e reinventar caminhos. Muitas delas já me disseram “não sabemos como fazer isso, mas vamos tentar”, “será a primeira vez que faremos isso”. São falas de aposta nessas mudanças. Espero que as que já disseram “não é política da escola”, também consigam, algum dia, dizer “será a primeira vez que faremos isso”.
É trabalho que exige dedicação de formiguinha e paciência histórica. As crianças e suas famílias agradecem.
* direitos de imagem da imagem destacada na publicação para thinknsmile.com
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