Essa série de publicações desse mês tem objetivo de contribuir na luta de conscientização sobre o Autismo. Informação de boa qualidade é um dos caminhos para esse processo. Nos posts anteriores, descrevi em linhas gerais os bons resultados de um processo de inclusão escolar. Mas minha intenção não é falar especificamente desse exemplo. O crucial é que você compreenda as inúmeras possibilidades e contribuições da Análise Aplicada do Comportamento em qualquer processo de inclusão no ambiente da escola.
A escola é um dos principais ambientes para promover a generalização dos comportamentos/habilidades aprendidos na terapia ABA em ambiente estruturado. Para entender melhor isso, é importante compreender claramente o que caracteriza esse processo de generalização.
A generalização dentro do contexto da terapia ABA para TEA significa:
Garantir a generalização nesses três níveis exige planejamento com objetivos claros e coerentes e estratégias aplicadas por todos os participantes do processo – pais, escola, profissionais. A terapia ABA não pode acontecer descolada (descontextualizada) das necessidades da escola e vice-versa. Por isso, em muitos momentos, diversos programas da terapia ABA possuem um caráter mais acadêmico/pedagógico. E também por isso, em vários momentos, a equipe da escola se apropria de estratégias específicas de intervenção com a criança para que os comportamentos que ela está aprendendo na terapia também ocorram no ambiente escolar.
Uma das premissas da terapia ABA transferida (ou que precisa ser transferida) para a escola é o manejo de reforçadores. Já expliquei em um post o que são reforçadores e sua importância no processo de aprendizagem (não só de comportamentos de indivíduos com TEA, mas na aprendizagem de qualquer comportamento por qualquer pessoa).
Para algumas crianças, os estímulos presentes em sala de aula ou no ambiente mais geral da escola podem ser utilizados como potenciais reforçadores para a emissão de comportamentos já aprendidos na terapia e aprendizagem de novos comportamentos no ambiente escolar. Os brinquedos, as letras e números na parede e os livros podem ter ou eventualmente adquirir função reforçadora para os comportamentos da criança. Entretanto, a maioria desses estímulos acaba perdendo sua força como reforçador, principalmente por estarem disponíveis o tempo todo para todas as crianças (produzindo um efeito de saciação, alterando o valor reforçador dos mesmos).
Por esse motivo, o analista do comportamento geralmente orienta a utilização de um kit de reforçadores específico para a criança com TEA e separado dos outros estímulos acessíveis constantemente para a turma. O terapeuta pode orientar que a equipe providencie uma caixa com alguns itens de interesse da criança (brinquedos, objetos para estimulação sensorial, material escolar – lápis, canetinha, papel, etc.). Esses itens serão utilizados como consequências arbitrárias para as respostas da criança frente às demandas acadêmicas e sociais. Por exemplo, a criança faz o desenho solicitado pela professora e produz como consequência um período de brincar com um dos brinquedos da caixa.
Os itens do kit de reforçadores podem ser utilizados nos mais diversos contextos da rotina escolar. É importante uma avaliação das atividades nas quais a criança já desempenha o papel esperado por ela de forma natural. Nelas, obviamente, os reforçadores arbitrários não são necessários. Ainda assim, os itens do kit podem ser utilizados em atividades de rodinha (leitura, conversa, contação de história, etc.), atividades estruturadas na carteira, no momento de parque/recreio e até mesmo na hora do lanche. O que define o “sucesso” do kit de reforçadores é uma avaliação minuciosa de suas funções e dos objetivos a serem alcançados com a criança (ou seja, dos comportamentos que são importantes ela emitir).
O pequeno de Itajubá já teve um kit de reforçadores com estímulos diversos. Atualmente, a orientação é utilizar gibis de quadrinhos da Turma da Mônica que ele adora. Além disso, orientei a produção de gibis do Snoopy (acompanhando as variações de interesse dele. Essa variação é ótima! É o que queremos com as crianças que estão dentro do diagnóstico de TEA). A professora e tutora também sugeriram apresentar tirinhas de quadrinhos em forma de sequência de imagens que ele precisa “conquistar” respondendo às demandas colocadas nas atividades. A cada demanda cumprida, ele ganha uma imagem da sequência e o reforçador final é a leitura completa da tirinha.
Outros reforçadores utilizados atualmente com ele são carimbos (a professora carimba as atividades dele, destacando seu esforço em cumprir a demanda), adesivos diversos e até mesmo brinquedos do parque da escola. Ao final de um período de atividades, a professora o autoriza sair da sala e ir até o parque para brincar. A tutora marca o tempo combinado com a professora e ao final desse período, ele retorna à sala para continuar com as próximas atividades.
O kit de reforçadores pode conter diversos itens. Até mesmo algo da própria escola que não seja acessível o tempo todo para a criança (como os brinquedos do parque que só podem ser utilizados durante o período do recreio ou em momentos previamente estabelecidos pela equipe da escola). O mais importante: o kit deve ser constantemente renovado e ajustado de acordo com as mudanças de interesse da criança e das características dos processos de saciação e privação que já descrevi em outras publicações.
Uma das principais dúvidas da equipe da escola é quanto ao interesse das outras crianças pelos itens do kit. Explico que no começo é provável que elas fiquem extremamente interessadas e algumas delas até questionem por que o colega pode brincar com certos brinquedos enquanto os outros estão fazendo a atividade (e teoricamente, não ganhando nada por isso). É nesse ponto que a parceria com a escola é fundamental. Tenho inúmeras experiências de professores que conversaram com a turma, explicando que esse procedimento era importante para aquela criança (obviamente, nas palavras mais adequadas para atingir o público infantil) e, com o passar do tempo, as próprias crianças passaram a utilizar os itens do kit para consequenciar os comportamentos da criança com TEA. O kit acaba sendo incorporado naturalmente à rotina da sala de aula.
Quando é possível, a(o) professora(o) pode introduzir algum reforçador para a turma toda. Por exemplo, se livros são reforçadores para os comportamentos da criança com TEA, a professora pode fazer um cantinho da biblioteca na sala para que todos que finalizam suas atividades tenham um momento de relaxar, lendo livros. A possibilidade de implementação desse tipo de estratégia de forma mais generalizada dependerá de uma série de condições da sala, da rotina da turma e do interesse da criança com TEA. Mas é possível.
O kit de reforçadores também pode ser utilizado em diferentes disciplinas. Por exemplo, para esse menino de Itajubá, combinamos a utilização de pontos em um esquema lúdico (cada demanda cumprida é consequenciada por uma possibilidade do personagem de interesse fazer um gol, dentro de uma tirinha de quadrinho) na aula de Educação Física. Ou seja, entendendo efetivamente a função dos reforçadores, eles podem ser utilizados nas mais diversas atividades da escola. O importante é saber o que, como e quando utilizar.
A intervenção ABA na escola não se esgota nisso. Nos próximos posts falarei sobre outros aspectos importantes. Até lá!
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