Não, bolo de chocolate não É reforçador! Nem o brinquedo preferido de seu filho É um reforçador! Pelo menos não como uma característica inerente a eles. Muitos pais, aplicadores, professores e profissionais envolvidos com terapia ABA têm dúvidas e dificuldades em identificar reforçadores (ou potenciais reforçadores) no dia a dia do tratamento. Na minha prática profissional, percebo que isso é resultado de uma compreensão equivocada ou, em grande parte das vezes, parcial do que caracteriza um estímulo do ambiente como reforçador. No post passado dessa série, examinamos a relação entre resposta e consequência e eu já adiantei a definição de estímulos reforçadores. Hoje, vamos esmiuçar melhor essa definição e características desses estímulos.
Para começar, estímulo reforçador é uma mudança no ambiente que ocorre junto ou depois da resposta. O que acontece (em termos de apresentação de estímulos no ambiente) antes da resposta, NÃO é reforçador, certo? Falaremos sobre esse conjunto de estímulos presentes antes ou imediatamente à emissão das respostas do indivíduo em outras publicações.
Outra característica fundamental e definidora de um estímulo reforçador é a mudança que ele produz nas respostas do indivíduo. Quando falo de respostas, não estou me referindo à primeira já emitida por ele. Isso porque, ela já ficou no passado e não tem mais como ser mudada (o indivíduo já realizou aquela ação ou conjunto de ações e não podemos mudar o passado, não é mesmo?). Essa mudança recai sobre respostas semelhantes (eu disse semelhantes e não iguais!) a que foi consequenciada e na direção de aumentar a frequência dessas respostas. Em outras palavras, o indivíduo passa a emiti-las mais vezes ao longo do tempo. Estímulo reforçador é um conceito relacional e a delimitação de aspectos do ambiente como tal depende dessa relação específica com as respostas do indivíduo.
Nesse sentido, o bolo de chocolate ou o brinquedo “preferido” do seu filho só serão reforçadores se: (1) vierem junto ou depois de respostas da criança e (2) aumentarem a frequência de respostas semelhantes ao longo do tempo. Por mais delicioso que seja o bolo ou por mais entretida que a criança fique com o brinquedo eu não posso dizer que ambos SÃO reforçadores como uma condição perene. Tudo dependerá da relação estabelecida e mantida ao longo do tempo entre esses estímulos e as respostas que os produzem.
Por conta dessa definição relacional, algumas condições ambientais podem alterar o valor reforçador de um estímulo. Por exemplo, uma pessoa pode adorar bolo de chocolate (no sentido de que ela se engaja em diferentes comportamentos com alta frequência para ter acesso a um pedaço do bolo). Porém, se ela passar uma semana só comendo bolo de chocolate (e mais nada), o que você acha que acontecerá com os comportamentos que antes ela emitia para ter acesso ao bolo? Provavelmente, eles diminuirão de frequência drasticamente. Esse exemplo ilustra de forma bem rudimentar o que chamamos de saciação na Análise do Comportamento. Por outro lado, se essa pessoa ficar muito tempo sem comer bolo de chocolate, diante de um pedaço, ela provavelmente fará “qualquer coisa” como forma de ter acesso a ele. Esse também é um exemplo rudimentar do que chamamos de privação na Análise do Comportamento.
Esses conceitos (saciação e privação) serão detalhados em posts futuros. Eu apenas os trouxe aqui para tentar corrigir uma fala que ouço muito de aplicadores (principalmente aqueles que ainda estão iniciando seu trabalho como aplicador da terapia ABA ou tutor na escola), pais e profissionais: “o reforçador não funciona” ou “o reforçador não está funcionando mais”. Por definição, se o estímulo antes utilizado como potencial reforçador já não produz mais a mudança esperada nas respostas da criança (aumento da frequência) então ele não é mais um reforçador (pelo menos não mais naquele momento ou naquela condição). O problema não está no conceito de reforçador (ou reforço). Está na aplicação dele. Está no entendimento dele.
É por isso que a investigação de potenciais reforçadores é (precisa ser) trabalho constante na terapia ABA. Um estímulo que já foi considerado reforçador poderoso pode não estar produzindo mais os efeitos antes vistos nas respostas da criança, seja na terapia, seja na escola. Isso pode acontecer por um processo de saciação. Mas não significa que o conceito de reforçador seja equivocado e “não funciona”.
Existem diferentes maneiras de identificar potenciais reforçadores, pensando no contexto da terapia ABA aplicada aos TEA. Podemos, por exemplo, aplicar questionários ou entrevistas com pais e cuidadores e/ou planejar arranjos experimentais em que os indivíduos possam escolher determinados estímulos de um conjunto apresentado. Alguns pesquisadores já testaram arranjos desse tipo. Uma seleção de itens (não-comestíveis e comestíveis, separadamente) é apresentada para a criança e ela escolhe (a resposta de escolha é determinada pelo fato da criança manipular ou comer o item) os itens de interesse. A partir das respostas de escolha da criança, o experimentador pode estabelecer uma hierarquia de preferência (o que foi escolhido primeiro é considerado o primeiro da hierarquia e assim sucessivamente com os demais itens). A observação da criança no dia a dia e seu desempenho na terapia, na escola, etc., é outra fonte importante de informação sobre potenciais reforçadores.
Agora pense no dia a dia do seu filho ou da criança que você atende. Se ela já não se engaja em comportamentos porque o estímulo utilizado como reforçador não está surtindo mais o efeito esperado, faça uma nova investigação. Descubra que outros itens, atividades, objetos e até mesmo comportamentos de outras pessoas podem ser utilizados como potenciais reforçadores. Não desista do procedimento, do conceito, só porque aquele brinquedo ou aquele objeto não faz mais com que a criança responda às demandas colocadas para ela. Tente, experimente! Só não vale dizer que o reforçador não funciona, ok?
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