A pergunta pode parecer ingênua e até simplista demais à primeira vista. Afinal de contas, todo mundo sabe o que é comportamento, algo tão inerente ao ser humano. Se você tiver curiosidade de buscar sinônimos em dicionários mais antigos encontrará ‘modo de agir’, ‘ação’, ‘conjunto de ações’. Me surpreendi ao buscar o significado dessa palavra no Wikipédia: “conjunto de reações de um sistema dinâmico face às interações e renovação propiciadas pelo meio onde está envolvido” (link). Essa já é uma definição pouco mais abrangente, mas ainda não é o que propõe a Análise do Comportamento.
Mas saber essa ou aquela definição de comportamento é importante? Para a Análise do Comportamento e para a prática fundamentada nessa contribuição é importante sim. Isso porque mais do que uma definição ou uma palavra, é um jeito de olhar para comportamento. Observe a imagem (retirada de link):
O que esse menino está fazendo? Qual é o comportamento em questão? Alguns podem dizer que ele está acenando para alguém, por exemplo. Mas é possível ter 100% de certeza só de olhar para essa foto?
Ele pode também estar respondendo à pergunta ‘quantos anos você tem?’? Também pode estar dizendo para sua mãe ‘para mamãe, não quero foto!’? Ele pode também estar contando até cinco e a mãe bater a foto exatamente nesse momento? Só por esses exemplos, dá para ter uma ideia da infinidade de possibilidades de comportamentos expressos nessa imagem.
No nosso dia a dia, quando observamos comportamento sem o compromisso ou olhar profissional do analista do comportamento, fazemos pequenos recortes (análogos a fotografias) e acabamos nos concentrando muito mais no que a pessoa faz, nas ações realizadas por ela.
No entanto, para uma prática fundamentada na ABA, esse recorte é insuficiente. Imagine que essa mesma criança esteja iniciando algum comportamento estereotipado. Se olharmos só para a ação como está na foto, sem considerar mais nada, podemos correr até o risco de fortalecer essa estereotipia, a elogiando e comentando ‘ah, que lindo, ele está acenando!'.
A Análise do Comportamento propõe um olhar diferente (e, claro, uma definição diferente) para comportamento. O significado descrito no site do Wikipédia já extrapola a definição mais rudimentar como conjunto de ações. O ambiente em que essa ação ocorre também é considerado. Entretanto, ainda parece muito mais que esse ambiente é que atua sobre as ações do indivíduo. Ou seja, uma definição ainda muito restrita.
Para a Análise do Comportamento, comportamento é RELAÇÃO entre ambiente e indivíduo. Mais do que responder pura e simplesmente, o indivíduo também intervém e transforma esse ambiente, na medida em que é transformado (ou que suas ações são transformadas). Por exemplo: uma criança com TEA e que não fala se joga no chão e grita. A mãe acaba entendendo o que ela quer e entrega o item desejado. Depois de um tempo, toda vez que a criança grita e se joga no chão, a mãe entrega o que ela quer. A criança continua gritando e se jogando no chão e a mãe continua a entregar o item desejado. Nessa situação, quem mudou e quem foi mudado/transformado? A mãe e a criança. A primeira porque agora age em função dos comportamentos disruptivos do filho e a segunda porque aprendeu uma nova forma de comunicar o que quer. Como mudar isso? Olhando para a RELAÇÃO estabelecida e identificando as estratégias mais eficientes para promover a mudança dessa RELAÇÃO.
No contexto da intervenção sobre TEA, o olhar/recorte que precisamos fazer no dia a dia precisa extrapolar as ações da criança e considerar a RELAÇÃO entre essas ações e o ambiente no qual elas ocorrem. Voltando à imagem, então, diante da pergunta ‘o que o menino está fazendo?’, eu diria: ‘não sei, preciso olhar para o momento e contexto em que a foto foi tirada.
Parece simples? Tente esse olhar no seu dia a dia. A criança até fala, mas se comunica? São dois olhares diferentes. Um focado somente na ação (fala). O outro tentando investigar a RELAÇÃO dessa ação com o ambiente (comunicação). A criança que, na escola, joga peças de encaixe para cima e fica olhando/sorrindo está brincando ou se autoestimulando? Também são dois comportamentos totalmente diferentes. Se o meu olhar estiver direcionado somente para a ação da criança, a probabilidade de, eventualmente, inferir o comportamento e errar na inferência será alta.
Nos próximos posts com o título ‘Primeiros passos’ falaremos mais sobre outros conceitos importantes, especialmente para entender de forma mais ampla o que é comportamento para Análise do Comportamento. Esse olhar (ou em termos técnicos, essa caracterização) é crucial para uma prática ABA de boa qualidade. E leia-se ‘de boa qualidade’ como eficiente e adequada às demandas e necessidades de cada indivíduo com TEA. Por enquanto, fica o meu convite para assistir a um filme que coloca de forma bem humorada essa RELAÇÃO em que as ações e o próprio indivíduo se transformam, ao mesmo tempo em que ele muda/transforma o ambiente.
FICA A DICA:
O filme: Feitiço do tempo
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